Guatemala : O coração do povo Maia


conte o seu



Vamos lá... Guatemala!

Partimos de Belize City em um desses antigos ônibus escolares, doados pelos americanos e/ou canadenses, que somam, pelo menos, 90% de todo o transporte público na América Central. Em alguns países, como a Colômbia ou o Panamá, são verdadeiras boites ambulantes, com luzes de néon, babados, cortinas aveludadas e música, tocada muito alta. Em Belize e na Guatemala, têm apenas o seu exterior pintado por cores fortes, variadas. Seu estado de conservação, porém, é similar em toda parte: motor batendo pino, bancos quebrados, verdadeiros dragões, expelindo fumaça. Conduzidos por motoristas absolutamente à vontade, param aqui e ali, no meio das estradas ou pequenas cidades, tomam café, batem papo, entregam ou recebem encomendas, sempre particulares... o que torna a viagem sempre mais demorada! Neles também não há ar-condicionado e as pequenas janelas estão, sempre, sempre, emperradas.
Diferente da belizenha, que é plana e tem vegetação de mangue, em muitas partes aterrada, a estrada que adentra a Guatemala é muito verde, cheia de campos, restos de florestas, morros que sobem e descem, cortando rios e vilas agropecuárias. O cheiro que entra pela janela é uma mistura de nirá (broto de alho japonês) com castanha sendo tostada; um cheiro quase enjoativo, muito instigante, que me ocupou horas perdidas, tentando decifrar seu mistério. Dias depois, andando pelas ruínas Maias, descobri que aquele perfume estranho vem de cedros majestosos, de suas minúsculas flores amarelo-claro. Sempre pensei que estas, fossem árvores de propriedade exclusiva de montanhas nevadas, como as do Líbano e dos Himalaias, mas não: os cedros, como pude confirmar depois, estão por toda a floresta da Guatemala.
A Guatemala já foi o centro de um vasto e antigo reino, que descia do sul do atual EUA, passava pelo México, Belize, El Salvador, Honduras, seguindo até a Costa Rica, que acho, é o único desses países que não fez parte do poderoso Império Maia... Então, se você se interessa pela rica história desse povo ou simplesmente gosta de viajar no passado, não perca mais seu tempo nas ruínas da península de Iucatã, no México: siga direto para Tikal e El Mirador: essa última, a pelo menos 3 dias de viagem em lombo de burro, ainda perdida no coração da mata.
 Tão ou mais desenvolvida do que qualquer outra civilização contemporânea, a Maia deixou na Guatemala, verdadeiras cidades, com quilômetros e quilômetros de extensão, cheias de prédios enormes, praças, templos, ruas, poços de água; megalópolis que vêm sendo engolidas pela densa floresta, desde que a civilização desapareceu da face da terra, há mais ou menos 1000 anos, sem deixar qualquer explicação!
Ali, ainda se vêem (pelo menos 40% da população) milhares de Maias puros ou (outros 60%) mestiços, nos teares, feiras, campos e montanhas, exibindo seu rico artesanato.  E que trabalho; um tear que mistura Vietnã com China, só que de cores sólidas, imendadas por um bordado copiado por Kenzo -  de um bom gosto que me deixou impressionada. Isso na versão clássica, pois quando resolvem ser rococó, ninguém segura seus bordados: um misto de "mil e uma noites"com o mogul dos palácios indianos do tempo do Raj... E olha que não tem muito artesanato me deslumbrando ultimamente: tentei comprar coisas no México (lá só há a cerâmica, que é divina, mas muiiito pesada e cara), na Costa Rica, no Panamá, Cuba... Caribe, Venezuela e não encontrei nada!
Ainda bem que descobri, totalmente sem querer, a Guatemala... Um lugar rico em cultura, cheio de graça!
A capital, Guatemala City é uma das cidades mais bonitas e arrumadas de toda a América Central. Tem avenidas largas ajardinadas, fontes, monumentos, bairros divididos por zonas, que concentram shoppings, escritórios, prédios residenciais "tipo Morumbi, bairros chiques de casas, bares e restaurantes, numa noite muito animada. Veja bem, para quem saiu de Belize City, qualquer cidade mais ou menos engraçada, já vira uma festa e passar ali um ou dois dias, antes de seguir para Antigua, a "antiga"capital, pode ser uma boa sacada. Cidade grande é sempre cidade grande, mas me impressionei com Guate - como chamam Guatemala City.
Antigua é uma pérola e não é à-toa que é tomada por europeus e americanos, que passam meses em suas calçadas e arcadas, dividindo-se entre cafés, turismo e aulas de espanhol. Não sabia, mas esse é um destino superdescolado para quem quer ficar fluente na língua, e de quebra curtir vulcões, vulcões, lagos, mercados e arquitetura colonial intacta. A cidade não é muito grande, tem umas 20 quadras de comprimento, por umas 12 de largura; já foi derrubada e reconstruída inúmeras vezes, por causa dos terremotos, mas ainda mantém aquela aura imponente de colônia rica espanhola e está muito, muito bem preservada. É muito gostoso hospedar-se em uma daquelas casas senhoriais, hoje hotéis-boutique, com seus jardins internos, fontes e arcos; passar o dia perambulando por suas ruas de pedra, admirando  suas belas fachadas! Isso sem contar na quantidade de cafés, bares e restaurantes, com todo tipo de cardápio contemporâneo e música, espalhados por toda a cidade. Muito bom voltar a comer, beber bem, depois de quase um mês rodando entre sul do México, Belize e interior da Guatemala. A América Central é linda, tem mil lugares fantásticos, mas não tem cozinha: se tem uma coisa que os ameríndios não deixaram, foi sequer um pratinho gostoso, bem temperado. Eu sei, eu sei, vocês devem estar se perguntando: "e o México? "O México, caros amigos, tem uma culinária formidável, mas é muito difícil provar dela na beira da estrada, nos lugares remotos, pequenos, afastados... Ali, é tudo muito frito, recheado de carnes engorduradas, meio secas, picadas. Tem pimentas? Tem. Tem deliciosas tortillas de milho? Tem, mas quer saber, mesmo que esteja sendo metida, mil vezes minha carne de panela cozida em tomates, cebolas, pimentas frescas e cominho, por quase 4 horas... perfumada, macia, desfiada: para rechear ou topar qualquer burito! Já o guacamole, nossos abacates são também muito bons, temos o coentro, só devendo mesmo o milho: divino, docinho, macio!
A cozinha da Guatemala também não é exceção; seus pratos ensopados não têm personalidade ou tempero: ainda bem que a cidade não peca em opções estrangeiras.

Se parar para pensar na maior aventura da viagem e, talvez, de toda a minha vida, não teria como não escolher a subida do vulcão Pacaya. Toda a região de Antigua e vizinhança, está cercada por vulcões; em sua maioria, montanhas muito altas, pontiagudas, soltando fumacinha, exatamente como nos desenhos. São absolutamente lindos, e seguem enfeitandos esquinas inesperadas, sejam no meio das cidades ou em curvas de estradas.
O Pacaya é o vulcão de escolha de 9 entre 10 turistas aventureiros, de certa forma ingênuos, que se esquecem que estão no terceiro mundo e onde tudo pode e vira desastre. Por toda Antigua, pequenas agências de turismo vendem a aventura como se fosse um passeio no parque... Para se ter uma ideia da loucura, a lavra do vulcão, em plena atividade, costuma mudar de direção, e é claro, sem prévio aviso, escorre da montanha por um novo lado. Em algumas escaladas, dos seus 2.600 metros, a turma tem que se arrastar montanha acima, se rasgando em pedras afiadas como vidro, se afundando na areia fina, preta, subindo uns 200, 300 ou 500 m, dependendo do humor da fera, ao lado de rios de pedras incandescentes, que explodem, sem o menor suspiro, bem na sua cara. Na nossa visita, a lavra havia mudado de rumo e tivemos que entrar bem na cratera da besta para poder avistar o rio vermelho, escorrendo do outro lado. Foram mais umas três horas de uma subida impiedosa, onde ninguém havia se preparado - estávamos todos de camiseta e bermuda leve - quando deveríamos estar de macacões não inflamáveis, capacete, luvas, joelheiras, botas turbinadas e, principalmente, bem, muito longe. Enfim, se seguia subindo, sofrendo, tremendo e se machucando, até o momento final onde nos puseram para caminhar em cima de crostas muito finas, recém formadas; lasquinhas de pedra, caindo aqui e ali, entre cobrindo a sopa vermelha borbulhante... Gente do céu, que medo, que alegria, que vontade de sair dali de helicóptero! Não dá para dizer que não é impressionante, mas qualquer um com o mínimo de escola sabe que a qualquer momento, uma daquelas pedras se quebram e quem estiver em cima cai, morre; sem choro, vela ou enterro, naquele exato instante. É estranho sentir a vida assim, tão perto da morte eminente: uma experiência única e apavorante. O que vale, agora, são as fotos, exibindo aquele ar de vitória, dentro da boca do vulcão flamejante, nosso maior momento de glória...
Retornamos a Belize após algumas semanas, seguindo por pequeníssimas cidades, de ônibus, viajando com negros sorridentes e uns tipos muito estranhos, que abordavam aqui e ali, austeros, em silêncio, como se fossem ETs, de tão vestidos e brancos. Não sei se pertencem a alguma seita religiosa ou se são só descendentes de ingleses camponeses que pararam no tempo: homens muito simples, de unhas imundas e grandes, vestidos com camisas quadriculadas de mangas longas e calças pretas, presas por suspensórios de couro. Suas mulheres, adultas ou crianças, traziam seus cabelos trançados, portavam chapéus de palha baratos, enfeitados por fitas, e eram cobertas dos pés à cabeça por longos vestidos floridos, embabadados, como os que se vêem em histórias infantis, nos personagens de fazendas encantadas. Quietos, em bancos separados, entravam e saiam, pelas cidades pobres e perdidas do interior de Belize, sem sequer me deixar saber quem são...
Reavemos nosso jipinho 4x4, há muito abandonado na pequena Corozal, quase fronteira, e com nosso visto já quase explodindo, partimos de volta para o México.
 
grazzielladebbane@yahoo.com.br

Nenhum comentário:

.

.
conte o seu : qcucaup@gmail.com