Sobre um texto que se limitava a ser engraçado

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PARTE I

" Hum ... Hum..." Por de trás dos óculos de massa preta um sombrolho igualmente negro franzia-se "Huumm... Bom... Bom..." Eu aguardava com impaciência a decifração em português corriqueiro de tão eruditos grunhidos. O relógio de parede compassava monótonamente o transcendente pensamento do dito individuo. Na centenária estante de cerejeira, aciNzentada pelo tempo e curvada pelo peso dos livros, sábiamente colocados em desalinho e pelo pó, reluzia um ainda mais empoeirado busto de Socrates. Desviei o olhar inferiorizado para a camisola de gola alta do meu... bem...chamemos-lhe Avaliador, que nesse momento soltava o seu centésimo "Hum". Fitou-me e num inspirado repente levantou-se e caminhou pela sala de mãos atrás das costas. Depois de um profundo suspiro e agitando a pequena folha de papel (formato A5) disse-me com voz embargada pela intlectualidade: " Minha cara, para além do seu breve ensaio possuir vírgulas a mais e acentos a menos, falta-lhe ... Consistência!" "Consistência?"- Preguntei desorientada. ( É bom que vos esclareça que a dita folha A5 continha um breve texto sobre os eternos atrasos dos autocarros) "Sim, minha cara, consistência! Afinal não pode ironizar ao acaso sobre qualquer assunto, sem dar uma certa densidade às palavras que emprega. Tem de dar uma mensagem que fuja dos lugares comuns, procurar um tema que não seja tão evidente, tão terra-à-terra, tão banal, tão desprovido de conteúdo intlectual, enfim, que interesse se pode encontrar num texto sobre os autocarros? Toda a gente fala sobre os autocarros, nós (leia-se os autores) temos a missão de falar daquilo que ningém ainda falou. Criatividade , ahn? Por exemplo poderia pegar neste assunto, já que tanto lhe interessa e abordá-lo numa prespectiva sócio-antropológica,tentando ao mesmo tempo obter uma certa exaltação literária. Compreende? "Sim... Acho que sim...Resumindo não gostou do texto."- disse, complectamente arrasada. "Não! Não! - Gritou ele - O que eu queria dizer era que de uma prespectiva sócio-antropológico-literária...." O relógio continuou com o seu tique-taque compassando o monólogo que durou cerca de duas horas.

CRISTINA NOBRE SOARES

2 comentários:

Jorge Pinheiro disse...

Experiência, sem dúvida, empolgante. Esperamos a Parte II...

Ví Leardi disse...

Que linda surpresa encontrar Cristina aqui...Cheguei ao seu blog através da Gi do "pequenos nadas". Encantada com seus textos que ali lia fui atrás de conhecer mais das escritas deste outro "talento Português".Tenho ficado impressionada com o nível de intelectualidade cultura e talento destes nossos amigos além mar.Cristina escreve com uma sensibilidade e clareza cativante.Tomei a liberdade de transcrever alguns de seus contos no novítá ,e com muito prazer vi no outro dia que Eduardo no Varal de Idéias a havia linkado em seus favoritos...espero ter contribuido um pouquinho para isto pois seu talento merece ser cada vez mais divulgado.....maravilhoso mundo dos blogs que nos proporciona tudo isto...
Parabéns Cristina você muito enriquece este espaço já táo rico em talento.

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