"DE LISBOA A CALECUTE" 2º parte


Às onze em ponto, Arnaldo era conduzido discretamente aos aposentos reais. D. João II estava de roupão sorvendo café, bebida tenebrosa, recentemente trazida das tropicais paragens. Arnaldo curvou-se e, por cerimónia, aceitou um Licor Beirão. Veneno nunca!
Já sentados, Arnaldo entregou uma carta a El-Rey. Eram as instruções da “Organização”, agora sediada no Promontorium Sacrum e que, ultimamente, contratara um poeta para dar às mensagens um toque futurista. Recitava assim:

“ Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal.”

“Quem hedes e ó que vindes?”, perguntou-lhe D. João.
Arnaldo começou devagar: “Sou um peregrino do tempo. Sou o passado do futuro. O futuro do passado. O presente do indicativo. O pretérito condicional. Cabe-me ajudar, facilitar... Não agir. Só Vós, Magestade podeis intervir em tão grave mister. É vosso destino unir mares e continentes. Descobrir o “poder oculto”. Criar o “Quinto Império”.
“Tudo isso implica muito engenho e arte”, retorquiu D. João, entrando no segundo cafezinho, “Para não falar em capital…”
“Dos fracos não reza a história, Magestade. Vamos tudo planear. Um “justo” que invistais hoje nesta empresa valerá 1000 ao tempo do vosso sucessor”. Primeiro há que chegar à Índia, por oriente, claro. Garantir para nós o comércio das especiarias. Dominar as rotas do Ìndico. Lisboa fará Bruges e Veneza empalidecer. Depois, encontrar Prestes João. Finalmente, reconquistar a Terra Santa, na cruzada final. Como temos poucos meios, vamos deixar as Américas para os castellanos, com excepção do Brasil, que há muito descobrimos e que bem escondido está. Aliás, é indiferente pois casareis o vosso único filho legítimo, Afonso, com a filha dos Reis Católicos. Ele será rei de todas as espanhas, herdeiro de todos os continentes. Vossamercê será Perfeito. Vosso sucessor, Venturoso.”
“É mister! É mister!”, gritava excitado D. João. “Arnaldo punhai-de-me já mãos à obra. É mister... É mister”!
Poesia: Fernando Pessoa
JORGE PINHEIRO

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