"DE LISBOA A CALECUTE" 4º parte


No dia seguinte a rua acordou em grande alvoroço. Dezenas de homens barbudos, suando cebola e alho, acotovelam-se aguardando horário de expediente.
Às nove em ponto Arnaldo abriu o “estaminé”. Assustou-se com o que viu. Uma cambada de estropiados, com ar esgroviado. Uns coxos, outros zarolhos, quase todos sem dentes, gritavam impropérios, tentando ser os primeiros a entrar.
De repente, a pequenita Maria, saiu da mercearia e veio em seu auxílio. Irritada com todo aquele reboliço, desatou a distribuir senhas de vez, organizou as filas e gritou: “Aqui só entra quem tiver carta de patrão de alto mar”.
A debandada foi geral... Ficaram meia dúzia. Arnaldo podia iniciar as entrevistas...

Entra um velhote trôpego. Olhos esbugalhados.
“Nome?”
“Gil Eanes”.
“Profissão?”
“Há mar e mar. Há ir e voltar...”
“Pois... Então e experiência?”
“Há mar e mar. Há mar e mar. Há ir e...”
“Chega, homem. Já percebi. Pergunto por experiência!”
“Ó mar salgado, quanto de teu sal são lágrimas de Portugal... Há mar e mar...”
“ Maria”, chama Arnaldo, “Põe-me o cavalheiro na rua, se fazes favor!”
“Há mar e mar. Há mar e mar. Há mar e...”
Catrapum... Crash... Trás... “Ai!”. Gil Eanes despenha-se pela escada abaixo, com ligeira ajuda da pequenita Maria, sempre galhofeira, que logo berrou: “Next”, pregão que iria ficar famoso em todo o Intendente.
JORGE PINHEIRO

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