" DE LISBOA A CALECUTE" 6º parte


De supetão entra Diogo Cão. Cabelo desgrenhado... Escapulário seboso... Olhos dementes...
“ Eu é que fui o escolhido. Foi el-Rey que mo disse... Eu é que fui o escolhido!”
“ Olha lá, Cão, tu enganaste o Rey. Foste duas vezes lá abaixo... Da primeira enfiaste pela baía do Cabo do Lobo. Correste a Lisboa. Era a passagem para o Golfo Arábico, disseste. O Papa enganado... El-Rey humilhado. Da segunda vez chegaste à Serra Parda. Deves ter julgado que era o fim do mundo!”
“Ingratos! A corte é só intrigas. Fui eu que mais padrões espetei pela costa africana abaixo. Agora não tem nada que enganar. Está tudo sinalizado. Excelência, só quero mais uma oportunidade, por favor, excelência... Eu é que sou o “homem-padrão”.
Arnaldo começava a ter pena. Só que D. João ordenara expressamente: “Arnaldo, estais prohibido de Cão aceitar. Muy mal me hay feyto. Até o Papa enganar (e lá estou eu a versejar, porra!)”.
Arnaldo não tinha quaisquer hipóteses: “Lamento, Cão. Já tiveste dois reais patrocínios”.
O homem saiu devastado... Ainda hoje vagueia por Lisboa, arrastando um padrão quilométrico que tenta espetar em qualquer canto da cidade, recitando exaltado:
“... E a Cruz ao alto diz que o que há na alma
E faz a febre em mim navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.”

Arnaldo estava exaurido. Desistiu. Já nem quis ouvir Gonçalves Zarco, Nuno Tristão, Diogo da Azambuja... Só velhadas alucinados. Era preciso sangue jovem. Ambição… Era necessário alguém com espírito corsário. Cancelou as entrevistas. Partiu a banhos, com a pequenita Maria, à praia do Meco.
JORGE PINHEIRO

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