" DE LISBOA A CALECUTE" 7º parte


O escudeiro Bartolomeu lá foi por esse Mar Tenebroso abaixo com três caravelas. A bordo também o irrequieto Cristobal Colon, que se conseguira infiltrar em missão de espionagem.
Passaram muito abaixo do Cabo das Tormentas (45 graus de latitude sul, segundo o astrolábio de bordo). Não havia terra à vista. Só mar, só mar... e cada vez mais frio. Cristobal esfregava as mãos de contente e cantava para quem o queria ouvir: “És por ocidenté, és por ocidenté”...
Bartolomeu reuniu secretamente com o piloto e, a coberto da noite, viraram rumo a norte. A 3 de Fevereiro de 1488, avistaram terra já para além do Cabo das Agulhas. Estavam já em pleno Mar dos Bárbaros, também conhecido por Oceano Índico, mas só eles sabiam. Cristobal continuou sempre enganado, o que foi péssimo... Dez anos mais tarde, ao serviço dos Reis Católicos, acerta-me em cheio nas Antilhas, que ainda hoje se chamam Índias Ocidentais.
Regressaram rente ao cabo das Tormentas, fustigados por ventos demoníacos, ondas avassaladoras, numa noite escura sem sossego e
“O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
Voou três vezes a chiar,
E disse: “Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?”
E o homem do leme, tremendo:
“El-Rei D. João Segundo”
“De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?”
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
“Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?”
E o homem do leme tremeu e disse:
“El-Rei D. João Segundo!”
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes do leme as repreendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
“Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que a minha alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme.
De El-Rei D. João Segundo!”
Bartolomeu entra na barra do Tejo em Dezembro de 1488. O “Capitão do Fim” abrira as “portas do Índico”... O mundo não acabava num abismo!
Poesia: Fernando Pessoa
JORGE PINHEIRO

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