IVº Capitulo de ERRO CRASSO


Crasso perdia-se em meditações alcoólatras quando o escravo porteiro lhe fez um discreto sinal. Levantou-se, arrotou três vezes e dirigiu-se pesadamente ao perístilo. Pelo caminho engoliu duas aspirinas para aliviar a tola. Na penumbra do perístilo, um homem magro, de gabardina clara, gravata cinzenta e chapéu de abas largas sussurrou-lhe: “Avé Crasso. A coisa está garantida. Acabei de falar com Pompeu. O homem concorda, desde que lhe construam uma estátua de ouro no Senado e lhe deem um jacto particular. Também quer a exploração da Hispania Citerior, apenas da Citerior. Diz que ficou farto dos Lusitanos desde que lá foi resolver aquele problemazito com o Sertório. Povo bronco e meio louco… Não se sabem governar, nem querem ser governados. Além disso as acessibilidades são péssimas. Pompeu já não está para maçadas”.
Com o azul da piscina reflectido na toga branca, Crasso hesitava: “ E César…? Que diz César?”.
Arnaldo Rocha já tinha previsto as reticências de Crasso. Crasso só gostava de poder para ganhar dinheiro. César gostava de dinheiro para ganhar poder. Arnaldo tinha o discurso preparado: “Ouve, Marco Licínio, desde 133 antes de Cristo…” - antes de Cristo? Arnaldo calou-se atrapalhado. Sentiu o “lapsus linguae”… Cristo? Quem é Cristo? Arnaldo pressentiu que o conhecia de uma qualquer missão futura - “Bom, ouve, Marco Licínio desde esse remoto ano, seja ele qual fôr, que Roma não tem paz. Sem estabilidade a economia não funciona. Sem economia não há desenvolvimento. Sem desenvolvimento não há riqueza. Meu crasso Caro, perdão, meu caro Crasso, Pompeu quer a Espanha. César deu-lhe para conquistar as Gálias. Tu ficas com o “fillet mignon”, a expansão para leste. A Pérsia, a Índia, a China... a seda, o petróleo, o ópio...”.
Crasso olhava a piscina com ar ausente. Continuava renitente. “Eu sei que tens razão, Arnaldo. Mas embirro mesmo com Pompeu e desconfio de César. César é um homem estranho. Rapa os pelos do corpo todo… Não toca em vinho. Nunca o vi beber. Ora, se “in vino veritas”, então “a contrario sensu” o homem nunca diz a verdade, ou conta apenas uma versão da verdade, a que mais lhe convém. Não se sabe o que lhe vai na alma. Homem perigosíssimo!”.”Ouve, Marco Licínio, não podemos continuar neste clima de guerra civil. Uma coisa, são guerras fora de portas, com saques, tributos e escravos. Outra, são guerras “intra-muros”, imprevísiveis, irracionais, incontroláveis. Os ricos são sempre afectados. E tu, Crasso, és o que mais tem a perder. Reconcilia-te com Pompeu. O homem tem mais prestígio e honrarias do que alguma vez podia sonhar. Não passa de um saloio vindo lá das berças da Úmbria. Quanto a César, tens razão... Perigosíssimo. Por isso te deves aliar a ele. Além de ser um estratega, é um verdadeiro nobre e, ao que dizem, descendente de Vénus, embora a certidão de nascimento se tenha extraviado. César é marido de todas as mulheres e mulher de todos os maridos e, ao mesmo tempo, é também um populista. César não olha a meios para atingir os fins. O povo gosta dele. Queres ter um golpe de estado tipo Catilina?”
“Crasso, deixa-te de merdas. Aceita este acordo secreto a que um dia os historiadores chamarão “triunvirato”. Só tens a ganhar. Hoje és o homem mais rico de Roma. Amanhã serás o mais rico do Mundo”.
Os olhos cobiçosos de Marco Licínio Crasso brilharam no escuro. Arnaldo soube de imediato que o homem estava convencido!
Próximo capitulo terça-feira
JORGE FERREIRA PINHEIRO

Um comentário:

meus instantes e momentos disse...

ótimo post, muito, muito bom.
Tenha um belo final de semana.
maurizio

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